Há dias em que o mundo parece andar ao contrário. O leite deixou de ser “gordo” e passou a ser “inteiro”. A cerveja preta talvez um dia se chame “escura”. O Papa dormiu bem. E há carros abandonados à porta do supermercado.
Poderíamos rir, como quem escuta o absurdo com ternura. Mas talvez devêssemos parar. Pensar. Porque por trás destes pequenos absurdos há sinais maiores – do tempo, da cultura, da sociedade. E talvez até de nós próprios.
A Era da Hipersensibilidade
Vivemos tempos em que a linguagem é minada pelo cuidado. Onde um simples “gordo” pode soar como ofensa, mesmo quando se fala de leite. As palavras ganharam um peso que por vezes ultrapassa o bom senso. O medo de ferir tornou-se tão grande que preferimos moldar o vocabulário inteiro à hipótese de alguém se magoar.
Mas será que o problema está mesmo na palavra? Ou na intenção? E mais: será que ao limparmos tudo aquilo que pode ser potencialmente desconfortável, não estaremos a empobrecer o debate, a reflexão e a própria liberdade de expressão?
Televisões Ligadas e Carros Abandonados
Noutras notícias – ou falta delas –, ficamos a saber que o Papa dormiu bem. Todos os dias. A televisão diz-nos, como se a saúde de um homem de idade avançada fosse o oxigénio de uma nação inteira. Talvez seja. Ou talvez seja só mais uma maneira de preencher o vazio noticioso de um país envelhecido.
E depois há os carros. Aqueles que jazem, imóveis, em plena cidade. Não num descampado, mas no estacionamento do Intermarché. Cada um deles uma história que ficou a meio. Alguém que partiu. Alguém que desistiu. Um abandono visível que ecoa os invisíveis que nos rodeiam.
Entre Ideologias e Realidades
Recentemente, voltei a colaborar com o Partido Livre, filmando o seu congresso. Não partilho da sua visão política, mas isso nunca impediu respeito, educação e uma experiência de trabalho acima da média. E talvez seja isso que falta ao nosso mundo: escutar o outro, mesmo quando pensa de forma diferente.
Vi jovens, muitos deles estudantes, a debater ideias com paixão. A abdicar de um fim de semana de copos para pensar no futuro do país. E isso reacendeu em mim algo raro nos dias de hoje: esperança.
Mérito, Equilíbrio e a Utopia do Igual para Todos
Acredito que todos devemos ter acesso ao essencial – saúde, educação, habitação. Mas também acredito no mérito. Em que quem se esforça possa colher frutos proporcionais ao seu trabalho. O problema é que em Portugal, trabalhar muitas vezes não chega. E isso não é apenas injusto – é desumano.
Taxar os ricos parece uma solução fácil, mas será que os ricos que temos cá são mesmo suficientes para sustentar toda a máquina? Ou estamos a taxar os remediados, chamando-lhes ricos?
Música, Essência e o Regresso ao Que Importa
E entre estas reflexões, há sempre espaço para a música. Esta semana volto às cabines, e isso deixa-me feliz. Porque a música é o meu ponto de equilíbrio. E, por falar nisso, deixo-vos com dois artistas que me levaram numa viagem sem sair do lugar: Aukai e Richard Houghten. Sons que curam, que inspiram, que nos fazem parar por uns instantes e lembrar quem somos.
Continuar, Mesmo com Dúvidas
Voltar ao podcast, voltar a escrever, voltar a observar – nem sempre é fácil. Há dúvidas, silêncios, cansaços. Mas há também esta vontade de continuar. De falar com quem está desse lado. De lançar uma ideia ao mundo, nem que seja só para ver se ecoa.
Se me estás a ler até aqui, obrigado. E sim, arrisco dizer: até à próxima semana.